Fundamentos dos Logaritmos

1 Introdução

Ao se estudar as funções exponenciais, percebemos que equações como \(2^x = 6\), apesar de terem solução, devido à bijetividade da função exponencial, não são possíveis de se resolver por meio das propriedades básicas das funções exponenciais. Utilizamos o logaritmo para representar essas soluções e ampliar a abrangência dessas operações. Formalmente, define-se:

\(\log_ba = x\) \(\iff\) \(b^x = a\)

Nessa representação \(\log_ba\) (lê-se: log de a na base b), denominamos \(a\) o logaritmando e \(b\) a base do logaritmo.

Interpretando a equação, o \(\log_ba\) é o expoente da base \(b\) que resulta no logaritmando \(a\).

Dessa forma, podemos expressar a solução da equação \(2^x = 6\) como sendo \(x = \log_26\). Tenha em mente que podemos fazer o caminho inverso, ou seja, a partir do logaritmo obter uma exponencial.

1.1 Condição de existência

Para que o logaritmo esteja bem definido e não gere alguma incompatibilidade, é necessário que se cumpra as seguintes condições: \(a > 0\) e \(1 \ne b > 0\). 

Exemplo: Determine o maior subconjunto dos reais para o qual a função \(f(x) =  \log_{x^2 - 1}(4 - x^2)\) esteja bem definida.

1a condição: \(4 - x^2 > 0\) \(\rightarrow\) \( -2 < x < 2 \)
2a condição: \(x^2 - 1 > 0\)  \(\rightarrow\) \( x < -1 \cup x > 1\)
3a condição: \(x^2 - 1 \ne 1\) \(\rightarrow\) \(x \ne \pm \sqrt2 \)

Fazendo a interseção dos intervalos, determina-se que o subconjunto é:
\(D \in (-2,-\sqrt2) \cup (-\sqrt2, -1) \cup (1, \sqrt2) \cup (\sqrt2, 2)\).

2 Propriedades dos logaritmos

Com base na definição de logaritmo, podemos provar as seguintes propriedades, seguindo as condições de existência.

Consequências diretas da definição:

  • [C1] \(\log_b1 = 0\)   

  • [C2] \(\log_bb = 1\)

  • [C3] \(b^{\log_ba} = a\)

Propriedades operatórias:

  • [P1] \(\log_ba^n = n \times \log_ba\)
    Demonstração: \(\log_b{a^n} = x \rightarrow b^x = a^n \rightarrow b = a^{\frac{x}{n}} \rightarrow \frac{x}{n} = \log_ba \rightarrow x = n \times \log_ba\)

  • [P2] \(\log_{b^k}a = \frac {1}{k} \times \log_ba\)
    Demonstração: \(\log_{b^k}a = x \rightarrow b^{kx} = a \rightarrow a^\frac{1}{k} = b^x \rightarrow x = \log_b{a^\frac{1}{k}} \rightarrow x =  \frac{1}{k} \times \log_ba\)

  • [P3] \(\log_{b^n}a^m = \frac{m}{n} \times \log_ba\)
    Demonstração: Combinação das [P1] e [P2]

  • [P4] \(\log_b(ac) = \log_ba + \log_bc\)
    Demonstração: Tome \(x = \log_ba\) e \(y = \log_bc\), temos: \(b^x = a\) e \(b^y = c\). Multiplicando, membro a membro as duas equações:
    \(b^{x+y} = ac \rightarrow x + y = \log_bac \rightarrow \log_bac = \log_ba + \log_bc\).

  • [P5] \(\log_b(\frac{a}{c}) = \log_ba - log_bc\)
    Demonstração: Análogo à [P4], mas ao invés de multiplicar as duas equações, divide-se ambas.

  • [P6] Mudança de base: \(\log_ca = \frac{\log_ba}{\log_bc} \), em que \(b\) é uma base qualquer.
    Demonstração: Faça \(\log_ca = x\), temos \(a = c^x\). Aplicando logaritmo na base b em ambos os lados:
    \(\log_ba = log_b{c^x} \rightarrow \log_ba = x \times \log_bc \rightarrow x = \frac{\log_ba}{\log_bc} \)
A partir dessas propriedades, temos 2 decorrências importantes e úteis:
  • [D1] \(\log_b{b^n} = n\)

  • [D2] Inversão: \(\log_ca = \frac{1}{\log_ac}\)
 Exemplo: Determine o valor da expressão:

\(S = \frac{1}{\log_2(100!)} + \frac{1}{\log_3(100!)} + ... + \frac{1}{\log_{100}(100!)}\)

Pela propriedade da inversão [D2], temos que a expressão é equivalente a:

\(S = \log_{(100!)}2 + \log_{(100!)}3 + ... + \log_{(100!)}100\)

Utilizando a [P4] (que vale para qualquer quantidade de termos), podemos simplificar o somatório da seguinte forma:

\(S = \log_{(100!)}(2 \cdot  3 \cdot ... \cdot 100)\)

Ora, o produtório equivale a \(100!\), então:

\(S = \log_{(100!)}(100!) = 1\).

3 Funções Logarítmicas

3.1 Função inversa

Dadas as condições de existência, podemos definir a função logaritmo na base \(b\):

\(f :\mathbb{R}_{+}^{*} \rightarrow \mathbb{R}\) tal que \(f(x) = \log_bx\)

As condições impostas no domínio da função permitem que ela seja bijetora, admitindo, portanto, uma função inversa, que obedece ao seguinte formato:

Se \(g(x)\) é a inversa de \(f(x)\), \(f(g(x)) = x\) (função identidade). Calculando tal função, obtemos:

\(\log_b(g(x)) = x \rightarrow g :\mathbb{R} \rightarrow \mathbb{R}_{+}^{*}\) em que \(g(x) = b^x\)

Logo, está evidente que, por serem uma inversa da outra, as funções exponenciais e logarítmicas estão intinamente relacionadas. Enquanto a exponencial "quer" saber do resultado de uma potência (a imagem de um certo domínio), o logaritmo "quer" o número que gera tal resultado (o domínio de certa imagem). Para endossar esse fato, tome as seguintes propriedades: na exponencial, tem-se \(a^m \cdot a^n = a^{m+n}\) (produto em soma), e nos logaritimos, o \(\log_ba + \log_bc = \log_bac\) (soma em produto). Essa inversão nos mostra que uma é a operação contrária da outra.

3.2 Gráficos da função e suas propriedades

Uma vez que a função logarítmica é a inversa da exponencial, seus gráficos são simétricos em relação à reta \(y = x\). Destacamos, assim, os gráficos abaixo:


Do gráfico, podemos enunciar a seguinte proposição, essencial para o estudo das inequações logarítmicas:

Proposição: Seja \(b\) real tal que \(1 \ne b > 0\) e f(x) = \log_bx. Vale que \(f(x)\) é uma função estritamente monótona, em que

  • se \(b > 1\), então \(f\) é estritamente crescente, ou seja, \(\forall x \in D\) em que \(x_1 > x_2 \rightarrow f(x_1) > f(x_2)\).
  • se \(0 < b < 1\), então \(f\) é estritamente decrescente, ou seja, \(\forall x \in D\) em que \(x_1 > x_2 \rightarrow f(x_1) < f(x_2)\).
Além disso, pode-se destacar que todas as funções logarítmicas puras (apenas com a expressão do log) possuem \(f(1) = 0\), são bijetoras e a reta \(y = 0\) é uma assíntota vertical do gráfico.

4 Equações e inequações

4.1 Utilizando logaritmo nas exponenciais

As propriedades que foram mostradas são de grande utilidade para a resolução de tanto equações logarítmicas quanto de exponenciais. Em problemas de funções exponenciais em que as expressões não são potências de mesma base, pode-se aplicar log em ambos os lados da equação e substituir os valores tabelados nas expresões.

Exemplo: Determine o tempo necessário, em anos, para que uma aplicação financeira em juros compostos 2% a.a dobre o seu montante. Dados: \(\log2 = 0,3010\) e \(\log102 = 2,0086\)

A fórmula de uma aplicação em juros compostos é a seguinte: \(M = C \cdot (1 + i)^t\), em que \(C\) é o capital inicalmente aplicado que se submete a uma taxa percentual \(i\) (em decimal) por um certo período de tempo \(t\), gerando um montante \(M\). Perceba que essa expressão se trata de uma função exponencial. Então, no problema, se \(x\) é o capital inicalmente aplicado, o montante é \(2x\). Logo, temos:

\(2x = x (1 + 0,02)^t \rightarrow (1,02)^t = 2\). 

A única forma de resolver essa equação é aplicando logaritmo na base 10 em ambos os lados e utilizando-se das propriedades, logo: 

\(\log(1,02)^t = \log2\)

\(t \cdot \log(1,02) = \log2\)  

\(t \cdot \log(\frac{102}{100}) = 0,301\) 

 \(t \cdot (\log102 - \log100) = 0,301\) 

 \(t \cdot 0,0086 = 0,301 \rightarrow t = 35\) anos.

4.2 Equações Logarítmicas

Há várias formas de se resolver equações com logaritmo. Em todos eles, precisamos aplicar as propriedades e se atentar às condições de existência (C.E). Exemplificaremos os principais casos.

Caso 1 - Aplicação direta da definição.

(UNICAMP) Resolva a equação \(\log_x(x + 6) = 2\).

\(\log_x(x + 6) = 2\) 

 \(x + 6 = x^2\) 

 \(x^2 - x - 6 = 0\)

 \(x = 3\) ou \(x = - 2\). 

Como \(x = -2\) viola a C.E, a única solução é \(x = 3\).

Caso 2 - \(\log_{b(x)}f(x) = \log_{b(x)}g(x) \leftrightarrow f(x) = g(x)\)

(FME) Resolva a equação \(\log_{x + 3}(5x^2 - 7x - 9) = \log_{x+3}(x^2 - 2x - 3)\).

Com efeito, 

\(5x^2 - 7x - 9 = x^2 - 2x - 3\) 

\(4x^2 - 5x  - 6 = 0\) 

\( x = -\frac{3}{4}\) ou \(x = 2\). 

Substituindo os valores de x em uma das expressões, vemos que nenhuma das soluções cumpre com as condições de existência. Portanto, o conjunto solução é \(S = {\emptyset}\)

Caso 3 - Mudança de variável. Denominamos o \(\log\) por um certo \(k\) e resolvemos o problema como uma equação normal, e no final, ao obtermos os valores de k, substituímos direto no logaritmo considerando as C.E.

(ITA 2014) Determine as soluções reais da equação em \(x\), \((\log_4x)^3 - \log_4(x^4) - 3\frac{\log_{10}16x}{\log_{100}16} = 0 \).

Aplicando mudança de base para 4: 

\((\log_4x)^3 - \log_4(x^4) - 3\frac{\frac{\log_416x}{log_410}}{\frac{\log_416}{log_4100}} = 0\)

\((\log_4x)^3 - 4 \cdot \log_4x - 3 \cdot \frac{\log_416x}{\log_{4}10} \cdot \frac{2\log_410}{\log_416} = 0\)

Cancelando o \(log_410\) e aplicando a propriedade \(\log_b(ac) = \log_ba + \log_bc\), temos:

\((\log_4x)^3 - 4 \cdot \log_4x - 3 \cdot (\log_416 + \log_4x) = 0\)

Efetuando uma mudança de variável (MDV), fazemos \(\log_4x\ = k\), deixando a equação mais fácil.

\(k^3 - 4k - 3 \cdot (2 + k) = 0\)

\(k^3 - 7k - 6 = 0\)

Transformando o \(-6\) em \(-7 + 1\), podemos fatorar o polinômio da seguinte forma:

\(k^3 + 1 - 7k - 7 = 0 \rightarrow (k + 1) (k^2 - k + 1) - 7 (k + 1) = 0\)

\((k + 1)(k^2 - k + 1 - 7) = 0\)

\(k + 1 = 0\) ou \(k^2 - k - 6 = 0\)

Resolvendo as equações separadamente:

\(k = -1\) ou \(k = 3\) ou \(k = -2\)

Com os valores de \(k\), podemos descobrir facilmente os valores de \(x\) substituindo de volta:

\(\log_4x = - 1\) ou \(\log_4x = 3\) ou \(\log_4x = -2\)

\( x \in (\frac{1}{16}, \frac{1}{4}, 64)\).

4.3 Inequações Logarítmicas

Na resolução, deve-se considerar os diferentes comportamentos da monotonicidade da função logarítmica, discutidas na proposição do item 3.2. Além disso, ao obtermos o intervalo de valores de \(x\), devemos fazer a interseção desse conjunto com as C.E da função, para que não haja valores proibidos. Fora isso, os métodos de resolução são praticamente os mesmos das inequações convencionais. O exemplo a seguir ilustra as principais particularidades desse tipo de inequação.

Exemplo: Determine o conjunto solução da desigualdade para \(x\) nos reais:

\(\log_2(\log_{\frac{1}{3}}(\frac{x^2 - 1}{3})) > 0\)

Em inequações, é sempre vantajoso ter logaritmos nos dois membros, pois é mais fácil de comparar os elementos. Então:  

\(\log_2(\log_{\frac{1}{3}}(\frac{x^2 - 1}{3})) > \log_21\)

Como a base é maior que 1, temos que a função é estritamente crescente, então, o sentido da desigualdade se mantém e podemos "cortar" os logarítmos:

\(\log_{\frac{1}{3}}(\frac{x^2 - 1}{3}) > 1 = \log_{\frac{1}{3}}\frac{1}{3}\)

Agora a base está entre 0 e 1, o que torna a função estritamente decrescente, então, o sentido a desigualdade é trocado (tenha cuidado com isso) e podemos prosseguir a conta:

\(\frac{x^2 - 1}{3} < \frac{1}{3}\)

\(-\sqrt2 < x < \sqrt 2\)

A solução ainda não acabou, pois devemos ainda satisfazer a C.E.

\(\frac{x^2 - 1}{3} > 0\)

\( x < -1\) ou \( x > 1\)

Tomando-se a interseção entre os dois intervalos:

\(x \in (-\sqrt2, -1) \cup (1,\sqrt2)\).

Leitura complementar

Logaritmo natural

Na Matemática, existe uma constante fundamental, o \(e\), chamada de neper, em homenagem ao matemático John Napier, que descreve diversas equações matemáticas e fenômenos naturais. É um número irracional, assim como o \(\pi\), e cujo valor é aproximadamente \(2,718\). O logaritmo na base \(e\) é chamado de logaritmo natural, que é escrito de forma diferenciada devido a sua relevância:

\(\ln{a} = \log_ea\)

O \(e\) tem fundamental importância no estudo dos números complexos, pois podemos expressar os complexos como sendo potências do \(e\), com base na seguinte fórmula:

\(e^{i \cdot \theta} = \cos(\theta) + i \cdot \sin(\theta)\)

Utilidade em outras áreas do conhecimento

Na natureza, muitos fênomenos/ constantes são expressos por números muito grandes ou pequenos. Por exemplo, a carga do elétron vale aproximadamente \(-1,6 \cdot 10^{19}\) coulombs, enquanto que a energia liberada por um terremoto poderoso, em joules, é extremamente grande ao passo que levaria muito tempo para uma usina de energia de alta potência produzir o mesmo montante de energia. Além disso, alguns processos como crescimento populacional (sem resistência do meio) ou juros bancários são regidos por crescimento exponencial. 

Os logaritmos existem para facilitar a nossa compreensão e a quantização de vários fenômenos que nos cercam. Podemos entender melhor a magnitude de certos eventos e como ocorre a sua variação com a ajuda dessa ferramenta, pois a taxa de variação (derivada) de qualquer função exponencial está relacionada ao logaritmo da base.  

No contexto da Química, o entendimento da acidez seria mais tortuoso se só dissessem "a concentração de ácido aqui é de \(10^{-9,6}\) mol/L". A partir disso, a escala de pH foi criada para facilitar a compreensão e a comunicação sobre a acidez das substâncias, ao transformar esses valores menos intuitivos em números fáceis e mais intuitivos, por meio da fórmula \(pH = -\log_{10}[H^+]\). Nessa escala, quanto menor o valor de pH, maior a acidez da substância, e uma variação de uma unidade da pH, quer dizer que a solução está \(10\) vezes mais ou \(10\) vezes menos ácida.

Em Física, a ideia não é diferente. A escala decibel (dB) foi criada com o mesmo objetivo, usando logaritmo para categorizar valores de intensidade sonora. 

Essa mesma essência se estende a outras escalas e a outros estudos matemáticos.

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